Em um país marcado por números alarmantes de violência contra a mulher, a Lei nº 11.340/2006 — a Lei Maria da Penha — representa muito mais do que um diploma legal: ela é símbolo de resistência, um divisor de águas entre a negligência histórica e o compromisso institucional com os direitos humanos.
Criada a partir de um caso concreto de brutalidade e omissão estatal, a lei nasceu do clamor por justiça da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de duas tentativas de feminicídio praticadas pelo próprio marido. Seu caso, levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, expôs ao mundo a inércia do Estado brasileiro diante da violência doméstica. A resposta veio com a promulgação de uma das leis mais emblemáticas do sistema jurídico nacional.
A Lei Maria da Penha consagra uma nova forma de enxergar a violência de gênero. Ela rompe com a visão restrita da violência física e reconhece, também, os danos psicológicos, patrimoniais, morais e sexuais sofridos por mulheres em ambientes domésticos ou em relações íntimas de afeto. A proteção se estende a mães, filhas, avós, noras, enteadas, sogras, empregadas domésticas, e até mesmo a relações que não exigem coabitação — como é o caso de namorados ou ex-companheiros.
E mais: a aplicação da lei não se limita a agressores do sexo masculino. A jurisprudência já reconheceu sua aplicabilidade em casos em que a violência foi praticada por outra mulher, desde que configurada situação de vulnerabilidade da vítima. A centralidade da proteção reside no gênero e na desigualdade estrutural que o permeia.
Dentre seus avanços mais notáveis, a lei institui as medidas protetivas de urgência, que podem ser determinadas pelo juiz, delegado ou mesmo por um policial, a depender da realidade local e da gravidade do caso. Tais medidas incluem o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato com a vítima, a suspensão do porte de armas, entre outras providências indispensáveis à integridade física e psíquica da mulher.
E aqui surge o ponto crucial: qual é o papel da advocacia diante desse cenário?
A atuação do(a) advogado(a) não pode ser meramente protocolar. É preciso compreender que defender mulheres em situação de violência é, acima de tudo, um ato de responsabilidade social. O profissional do Direito deve estar preparado para orientar, acolher, peticionar com urgência, acompanhar medidas cautelares e promover uma atuação sensível, ética e humanizada.
Em tempos de desinformação e banalização da violência, cabe à advocacia atuar como instrumento de conscientização, denúncia e transformação. Somos, muitas vezes, a primeira voz a ser ouvida por quem teve a sua calada por medo, vergonha ou insegurança.
A Lei Maria da Penha não é apenas um marco legal: é um marco civilizatório. E a sua efetividade depende, em grande medida, da nossa atuação comprometida, técnica e empática.
Não basta conhecer a lei. É preciso fazer com que ela funcione — com coragem, escuta e ação.