A promulgação da Lei nº 15.109, em 13 de março de 2025, foi recebida com entusiasmo pela advocacia brasileira. Fruto de antiga demanda institucional da classe, a norma introduziu o § 3º ao artigo 82 do Código de Processo Civil, estabelecendo que, nas ações de cobrança, execução ou cumprimento de sentença de honorários advocatícios, o advogado está dispensado do adiantamento das custas processuais, cabendo ao réu ou executado suportá-las ao final do processo, se for o responsável por sua instauração.
A conquista, longe de representar um privilégio, reflete uma adaptação do sistema processual à realidade da advocacia. Em incontáveis situações, profissionais que já prestaram seus serviços — e não foram pagos — se veem obrigados a arcar com despesas judiciais apenas para exercer seu direito de cobrar por aquilo que lhes é devido.
Com cerca de 25 anos de experiência na advocacia, posso afirmar — por vivência própria e por relatos de inúmeros colegas — que poucos obstáculos são tão frustrantes quanto ser forçado a antecipar custas para cobrar valores que nos são devidos e que muitas vezes representam a única fonte de sustento. A realidade da advocacia é dura, e não raro somos compelidos a renunciar à cobrança por simplesmente não termos recursos para acionar o Judiciário.
A nova redação do CPC busca corrigir essa distorção, assegurando que o custo inicial da demanda recaia, ao final, sobre quem deu causa ao processo. Importante ressaltar: não se trata de isenção de tributo, mas de diferimento — o pagamento é apenas postergado, sem qualquer exoneração da obrigação de recolher valores devidos.
Apesar da clareza da norma e da relevância da política pública que ela implementa, algumas decisões de primeira instância têm deixado de aplicar o dispositivo, sob alegações de suposta inconstitucionalidade. Três fundamentos têm sido comumente invocados: (i) violação ao princípio da isonomia tributária; (ii) ofensa à reserva de iniciativa legislativa do Poder Judiciário; e (iii) inaplicabilidade da nova regra a processos em curso.
Todas essas objeções, com o devido respeito, partem de premissas que não resistem à análise jurídica detida.
Sobre a alegada violação à isonomia tributária, é necessário reforçar que a norma não cria isenção fiscal. Apenas estabelece que o advogado não precisa antecipar o recolhimento das custas processuais. O pagamento continua devido, mas será exigido ao final, e apenas daquele que deu causa à demanda. Diferimento não é isenção.
Quanto à suposta usurpação da iniciativa legislativa do Judiciário, importa esclarecer que a Lei nº 15.109/2025 não trata de organização ou funcionamento interno dos tribunais, tampouco interfere em sua estrutura administrativa ou regime de pessoal. A norma versa sobre regra de custeio processual no âmbito do Código de Processo Civil, matéria de natureza eminentemente processual, cuja iniciativa legislativa é, por regra, concorrente — e, nesse caso específico, perfeitamente compatível com a competência do Congresso Nacional. Não há inovação quanto à titularidade da receita, nem ingerência sobre valores ou forma de arrecadação — apenas uma nova lógica de momento processual para o recolhimento.
Sobre a aplicação da lei aos processos em andamento, prevalece o princípio do efeito imediato das normas processuais (arts. 14 e 1.046 do CPC). A nova lei se aplica aos processos em curso, respeitados os atos processuais já praticados. Além disso, o art. 99, § 2º, do CPC admite a revisão do regime de pagamento de custas a qualquer tempo, diante de nova situação fática ou jurídica — como a vigência de uma lei que altera a regra geral.
A aplicação exclusiva da regra aos advogados encontra respaldo na natureza jurídica singular da atividade advocatícia, distinta de outras profissões liberais. Diferentemente de médicos, engenheiros ou contadores, os advogados exercem função essencial à administração da Justiça, com previsão constitucional expressa (art. 133 da CF), sendo os únicos profissionais com capacidade postulatória para representar interesses de terceiros em juízo. Além disso, a cobrança de honorários advocatícios frequentemente decorre da atuação em processos judiciais já encerrados, sendo necessária nova demanda apenas para que o profissional receba verba que já lhe foi reconhecida — muitas vezes por sentença ou por contrato inadimplido. Assim, o diferimento das custas processuais busca garantir o acesso ao Judiciário em ações cuja natureza é de execução de verba alimentar, não se tratando de relação contratual comum, mas de um desdobramento da própria prestação jurisdicional previamente exercida pelo advogado. É essa especificidade institucional que legitima o tratamento normativo diferenciado.
Apesar destas decisões questionáveis do primeiro grau de jurisdição, felizmente, o Tribunal de Justiça do Paraná tem cumprido seu papel com firmeza e equilíbrio, reformando e garantindo a efetiva aplicação da lei, em respeito à sua natureza processual e à sua constitucionalidade.
Ainda assim, esse tipo de distorção poderia ser evitado por meio de uma conscientização mais profunda e contínua dos operadores do direito, com foco na compreensão das peculiaridades da atividade advocatícia e no impacto prático de determinadas decisões sobre o cotidiano da profissão. O aperfeiçoamento da prestação jurisdicional passa também pelo diálogo institucional e pela capacitação constante dos agentes que integram o sistema de Justiça.