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O sistema de justiça brasileiro enfrenta um paradoxo evidente: enquanto acumula milhões de processos judiciais e sofre com morosidade crônica, ainda subutiliza métodos autocompositivos como a mediação. Simultaneamente, vive-se a expansão do uso de tecnologias jurídicas baseadas em inteligência artificial (IA), que trazem novas perspectivas de eficiência, mas também exigem atenção ética, jurídica e institucional. Neste cenário, a interseção entre mediação e IA representa não apenas uma oportunidade, mas uma necessidade estratégica.

Conforme estabelecido pela Resolução CNJ nº 125/2010, a mediação não é uma alternativa acessória ao processo judicial, mas sim uma política judiciária de tratamento adequado dos conflitos. Ao privilegiar o protagonismo das partes, a mediação promove soluções mais sustentáveis, menos custosas e mais rápidas, com especial impacto nas relações continuadas. É também instrumento de pacificação social e de desjudicialização eficaz, notadamente em conflitos familiares, empresariais, consumeristas e de vizinhança.

A mediação judicial e extrajudicial ganhou força normativa e institucional no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, com a estruturação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSCs), capacitação de mediadores e formação de uma cultura de consensualidade.

Portanto, a mediação deve ser tratada como política pública. Mas para que isso ocorra em larga escala, é preciso pensar em ferramentas que potencializem sua aplicação. A inteligência artificial, neste contexto, surge como uma aliada.

Advocacia e mediadores preparados: IA como suporte, não substituição

Para os mediadores, a incorporação de tecnologias pode significar ganho de tempo, qualidade e segurança na condução dos procedimentos. Ferramentas de IA podem contribuir com análise documental, identificação de interesses centrais, organização de propostas e até mesmo simulações de cenários prováveis.

Do ponto de vista da advocacia, a mediação é uma estratégia eficaz e moderna para resolver conflitos com menos desgaste e mais previsibilidade. Advogados que atuam com foco na composição conseguem proteger melhor os interesses dos clientes, evitando desgastes relacionais e financeiros desnecessários. A IA pode ser uma aliada também nesse contexto, com sistemas que auxiliam na análise jurídica preditiva, organizam minutas de acordos, avaliam riscos processuais e facilitam a tomada de decisão orientada por dados.

O papel do Poder Judiciário e os limites do modelo atual

Apesar de avanços normativos, como a Resolução CNJ nº 125/2010 e a Lei nº 13.140/2015, o Judiciário brasileiro ainda enfrenta resistências institucionais à mediação como via preferencial. A imensa demanda de processos e a estrutura tradicional de julgamento comprometem a expansão sistemática dos métodos autocompositivos.

Nesse contexto, a IA pode ser uma ferramenta decisiva. Pela triagem inteligente de casos, identificação de padrões de conflitos e previsão de soluções, é possível encaminhar mais processos para mediação com critério e eficiência. Sistemas como o Sinapses (CNJ), já em operação, podem ser expandidos para auxiliar na gestão dos CEJUSCs e na seleção de casos com alto potencial de resolução consensual. Isso permitiria um redirecionamento estratégico de milhares de processos para o ambiente da mediação.

Interfaces da mediação com a inteligência artificial

A IA pode ser usada para:

  • Triagem automatizada de casos com base em classificação de tipo de conflito;
  • Sugestão de termos de acordos com base em soluções anteriores;
  • Análise de sentimentos para auxiliar a compreensão do perfil emocional das partes;
  • Análise de riscos e alternativas jurídicas comparadas para subsidiar decisões negociadas.

Plataformas de resolução online de conflitos (ODR) já operam com IA generativa para elaborar mensagens, reformular propostas e sugerir caminhos para o consenso. Estudos internacionais, como “Robots in the Middle” e o projeto LLMediator, demonstraram que modelos de linguagem conseguem, em alguns casos, sugerir respostas ou intervenções mais adequadas que humanos, especialmente em disputas padronizadas.

Ainda assim, o papel humano permanece insubstituível. Empatia, escuta ativa, compreensão cultural e relações de confiança não podem ser reproduzidas por algoritmos. A IA deve ser ferramenta de apoio, não de substituição.

Diretrizes normativas: Resoluções CNJ 125/2010 e 332/2020, e a EBIA

A Resolução CNJ nº 332/2020 institui diretrizes éticas e técnicas para o uso da IA no Judiciário, com foco na transparência, prevenção a vieses, explicação algorítmica, supervisão humana e respeito aos direitos fundamentais.

Complementarmente, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), do Ministério da Ciência e Tecnologia, traz diretrizes gerais para o uso da IA no setor público, com ênfase em segurança, governança e equidade. Ambas as normativas sustentam o uso institucionalizado e responsável da tecnologia também nos processos de mediação.

Propostas para integração prática

Para tornar realidade a integração entre mediação e inteligência artificial, é necessário avançar em frentes complementares e interdependentes. A primeira delas diz respeito à implantação de sistemas de triagem automatizada nos tribunais, capazes de identificar, com base em algoritmos treinados, processos que possuam características favoráveis à resolução por mediação. Essa triagem não deve ser meramente estatística, mas considerar fatores humanos, como a natureza da relação entre as partes, histórico de litígios e viabilidade de restabelecimento do diálogo.

Em paralelo, é urgente integrar ferramentas de IA às plataformas digitais de mediação, especialmente aquelas já utilizadas nos CEJUSCs ou por câmaras privadas. Essas plataformas devem permitir que os mediadores certificados supervisionem as sugestões geradas por IA evitando que decisões automatizadas comprometam a autonomia das partes ou conduzam a acordos inconsistentes.

Capacitar os profissionais do sistema de justiça — magistrados, servidores, mediadores e advogados — é etapa essencial. Não se trata apenas de treinar para o uso de softwares, mas de promover uma compreensão ética e crítica das limitações e potencialidades da IA na resolução de disputas.

Para garantir a legitimidade desse modelo híbrido, é fundamental estabelecer protocolos de transparência que assegurem o conhecimento, pelas partes, do uso de IA nos processos de mediação. Informações como quais algoritmos estão sendo aplicados, com que finalidade e sob qual supervisão devem constar de maneira acessível e auditável.

Por fim, é preciso aprimorar a gestão da política pública de mediação, incorporando os dados produzidos nesses processos de forma estatística e anonimizadas. Ao incluir indicadores de resolutividade, tempo médio, satisfação das partes e áreas temáticas mais incidentes, os tribunais poderão tomar decisões mais informadas sobre onde investir, como melhorar seus fluxos e como expandir as boas práticas já identificadas.

Considerações finais

Mediação e inteligência artificial não se excluem. Pelo contrário: quando combinadas com responsabilidade, sensibilidade e preparo técnico, podem oferecer respostas mais humanas, céleres e sustentáveis ao sistema de justiça.

A advocacia tem papel essencial na consolidação dessa cultura. O Judiciário, por sua vez, precisa investir na infraestrutura digital e na governança dos dados. E os mediadores devem se capacitar continuamente para lidar com ferramentas que ampliam — e não anulam — sua escuta e presença.

O futuro da Justiça deve ser híbrido. E será mais justo se conseguirmos manter o ser humano no centro, com a tecnologia como apoio e nunca como fim.

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A presença da inteligência artificial (IA) na advocacia já não pertence ao terreno das tendências — ela compõe, de forma concreta, o cotidiano da prática profissional. Assistentes jurídicos automatizados, sistemas de jurimetria, plataformas de linguagem natural capazes de sugerir argumentos ou redigir minutas passaram a integrar a rotina de escritórios e departamentos jurídicos em todo o país. Diante dessa nova paisagem tecnológica, o desafio não está apenas em acompanhar as transformações, mas sobretudo em compreendê-las criticamente e conduzi-las com responsabilidade.

O uso consciente da IA exige muito mais do que familiaridade com ferramentas digitais. Ele pressupõe o compromisso com a preservação da integridade técnica, ética e estratégica da atuação da advocacia. Não há dúvida de que a tecnologia pode ampliar a produtividade, otimizar fluxos de trabalho e gerar ganhos expressivos em termos de gestão. No entanto, tais benefícios somente se materializam de forma legítima quando acompanhados de critérios técnicos claros e da vigilância de uma atuação profissional qualificada.

A inteligência artificial, nesse contexto, revela-se um avanço significativo. A capacidade de automatizar tarefas repetitivas e analisar grandes volumes de informação em tempo reduzido libera a advocacia para se dedicar ao que realmente importa: escutar o cliente com atenção, pensar estrategicamente e construir soluções jurídicas consistentes. A tecnologia, quando bem empregada, potencializa o valor do trabalho humano.

É justamente nesse ponto que reside a chave da questão: a IA deve potencializar — e jamais substituir — a inteligência da advocacia. A confiança cega em ferramentas que operam a partir de algoritmos, muitas vezes opacos, generalistas e descontextualizados, pode conduzir a equívocos graves: da inserção de argumentos sem sustentação jurídica ao uso inadvertido de dados sensíveis sem a devida cautela.

Os relatos se multiplicam: petições contendo trechos fictícios, decisões inexistentes, argumentos mal construídos — tudo fruto de automatismos não supervisionados. A delegação à tecnologia daquilo que é indelegável, como o raciocínio jurídico e o juízo crítico, coloca em risco não apenas a qualidade técnica do trabalho, mas também a própria legitimidade da advocacia.

Mais do que usuária da tecnologia, a advocacia deve ser sua curadora.

Isso implica domínio técnico das ferramentas utilizadas, leitura atenta do contexto em que são aplicadas, revisão criteriosa dos conteúdos produzidos e, sobretudo, zelo absoluto com os dados e informações manuseados. A atuação ética, nesses termos, não se resume ao conteúdo do trabalho entregue: ela também se manifesta na forma como esse trabalho é elaborado.

Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de reconhecer que sua aplicação no universo jurídico exige parâmetros claros, compatíveis com os deveres profissionais estabelecidos pelo Código de Ética e Disciplina da OAB. A IA pode auxiliar — mas jamais isentar a advocacia da responsabilidade pelo conteúdo assinado. A diretriz é clara: a máquina pode até redigir, mas quem responde — ética, técnica e juridicamente — é quem assina.

Essa preocupação, aliás, já reverbera nas instituições do sistema de justiça. Diversos tribunais têm emitido alertas e decisões destacando os riscos do uso indiscriminado de sistemas automatizados na confecção de petições. Em julgados recentes, menciona-se expressamente a necessidade de supervisão humana e a responsabilidade profissional pelos conteúdos elaborados com auxílio de IA. Em certos casos, trechos automatizados foram desconsiderados; em outros, a atuação foi questionada eticamente.

A partir do momento em que a advocacia se capacita e compreende os fundamentos técnicos, operacionais e éticos da inteligência artificial, surge também um novo papel institucional: o de acompanhar criticamente a implantação da IA pelo próprio Poder Judiciário. Não basta que a profissão conheça os limites das ferramentas que utiliza em sua atuação direta; é essencial que também vigie e compreenda o uso dessas mesmas tecnologias pelos magistrados e servidores públicos.

A adoção de sistemas de IA no âmbito judicial — seja na triagem de processos, na elaboração de minutas de decisões ou na aplicação de filtros automatizados — deve ser transparente, auditável e submetida a critérios objetivos de supervisão humana. E é nesse ponto que a advocacia exerce função essencial: atuar como fiscal e interlocutora qualificada nesse processo de transformação tecnológica do Judiciário.

Ao acompanhar a implementação da IA pelos tribunais, a advocacia colabora para garantir que os princípios do devido processo legal, da ampla defesa, da publicidade e da imparcialidade sejam preservados mesmo diante da automação. Além disso, contribui para o aprimoramento dos sistemas, identifica riscos e reforça a legitimidade do processo jurisdicional em uma era de decisões cada vez mais influenciadas por dados e algoritmos.

Não há dúvida de que a inteligência artificial veio para ficar. Mas o modo como será incorporada à prática jurídica definirá se ela atuará como aliada ou como ameaça. A inovação, para ser efetiva, precisa caminhar ao lado da reflexão crítica, da responsabilidade técnica e do compromisso ético. A advocacia que se prepara, se capacita e domina o uso da IA — com discernimento, transparência e fundamento jurídico — estará melhor posicionada para prestar um serviço moderno, eficiente e, sobretudo, alinhado aos valores que sustentam o Estado de Direito.

 

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Nos últimos anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem desenvolvido e publicado protocolos de julgamento com o objetivo de orientar magistrados e magistradas na aplicação mais justa, coerente e humanizada do Direito. Esses documentos são frutos de grupos de trabalho interdisciplinares, compostos por membros da magistratura, da academia, da sociedade civil e de instituições públicas, e seguem uma metodologia técnico-científica aliada à escuta ativa de operadores e operadoras do sistema de justiça.

Mas, afinal, o que são os protocolos do CNJ?

Trata-se de instrumentos interpretativos que buscam alinhar a atuação judicial aos compromissos constitucionais e internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente no que se refere aos direitos humanos. Diferentemente de normas legais ou súmulas vinculantes, os protocolos não criam direitos nem obrigações novas. Eles sistematizam orientações já consagradas na jurisprudência nacional e internacional, oferecendo ferramentas para que o julgador compreenda melhor o contexto das partes envolvidas no processo — sobretudo em casos que envolvem desigualdades estruturais.

Exemplo emblemático é o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído em 2021 e tornado obrigatório pela Resolução CNJ nº 492/2023. Com ele, pretende-se mitigar a reprodução de estereótipos e discriminações no Judiciário, sem com isso comprometer os pilares do devido processo legal, da ampla defesa ou do contraditório. O mesmo se aplica ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial.

Contudo, nem todos acolhem pacificamente esse movimento. Há quem veja nesses instrumentos uma ameaça ao garantismo penal, entendendo que sua aplicação pode levar à perda da imparcialidade, ao enviesamento da instrução e ao enfraquecimento do contraditório. Tal crítica é, em parte, alimentada pelo receio de que a balança da Justiça se incline em favor de narrativas pré-concebidas, em detrimento da análise rigorosa das provas.

Esse ponto de tensão revela uma disputa mais profunda entre duas grandes correntes do pensamento jurídico contemporâneo: o garantismo, que enfatiza a proteção contra o arbítrio estatal, e o realismo judicial, que reconhece a influência do contexto social e dos valores do julgador na interpretação do Direito. De um lado, o garantismo exige regras estáveis, limites ao poder punitivo e neutralidade institucional. De outro, o realismo aponta que nenhum julgamento é absolutamente neutro, e que ignorar desigualdades históricas é, em si, uma forma de injustiça.

Como reconciliar essas visões?

A resposta pode estar naquilo que o Direito tem de mais difícil e necessário: equilíbrio. É preciso admitir que protocolos são instrumentos, não sentenças. Não substituem o discernimento do juiz, nem autorizam a inversão de ônus probatórios sem amparo legal. Mas também é preciso reconhecer que a formação jurídica tradicional — muitas vezes desprovida de olhar interseccional — pode invisibilizar violações de direitos que não se enquadram nos modelos normativos clássicos.

Por isso, o caminho passa por três pilares:

  1. Consciência do papel transformador (ou reprodutor de desigualdades) que o Judiciário pode exercer;

  2. Capacitação contínua dos operadores do Direito para compreender contextos sociais, sem abrir mão da técnica jurídica;

  3. Bom senso institucional, para que a aplicação dos protocolos se dê de forma criteriosa, fundamentada e proporcional.

Ao final, não se trata de escolher entre o garantismo ou o realismo, mas de lembrar que nenhuma teoria jurídica se sustenta se não estiver a serviço da Justiça. E a Justiça, para ser justa, deve ser também consciente das realidades que julga.

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A violência doméstica é uma das formas mais cruéis de violação dos direitos humanos. Ela acontece, em sua maioria, dentro do lugar onde deveríamos estar mais protegidos: o lar. São milhões de mulheres, todos os anos, feridas não apenas fisicamente, mas emocional e psicologicamente, dentro de suas próprias casas — por companheiros, ex-companheiros, familiares, ou aqueles que deveriam zelar por elas.

Mesmo com avanços legais como a Lei Maria da Penha, o Brasil ainda convive com números alarmantes. E o mais grave: em muitos casos, a violência é naturalizada, silenciada ou justificada. Por isso, falar sobre esse tema — e principalmente escutar sobre ele — é tão necessário.

Hoje, compartilho com muita emoção o manifesto escrito por minha filha de 16 anos, que decidiu transformar indignação em palavras. Ao refletir sobre a violência de gênero e as marcas que ela deixa em tantas mulheres, ela escolheu não se calar. Suas palavras, firmes e sensíveis, revelam o quanto as novas gerações já compreendem a urgência da igualdade e da justiça.

Ver uma jovem se posicionar com tanta lucidez diante de um tema tão sério é motivo de orgulho, mas também de esperança. Que possamos acolher, apoiar e amplificar essas vozes que chegam — não para repetir, mas para renovar o nosso compromisso com um futuro mais seguro para todas.

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Neste mês de maio, entrou em vigor a Resolução número 455/2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A norma impôs uma série de alterações estruturais ao processo eletrônico brasileiro, especialmente no que diz respeito à forma de contagem dos prazos processuais. Essas são mudanças que impactam diretamente o exercício da advocacia, exigindo atenção redobrada para evitar prejuízos processuais.

A principal inovação trazida pela norma é a centralização das citações e intimações exclusivamente nas plataformas DJE (Domicílio Judicial Eletrônico) e DJEN (Diário da Justiça Eletrônico Nacional), eliminando a possibilidade de intimações por sistemas estaduais ou portais próprios.

É preciso saber que a nova sistemática estabelece três momentos distintos que devem ser observados rigorosamente:

1. Disponibilização da informação no DJEN
2. Publicação oficial (no primeiro dia útil após a disponibilização)
3. Início da contagem do prazo (no primeiro dia útil subsequente à publicação)

Cai, portanto, a sistemática do modelo adotado anteriormente por muitos tribunais, no qual o prazo se iniciava a partir da leitura da intimação no sistema do advogado, como ocorria no Projudi.

Diante da nova norma, cabe às advogadas e advogados de todo o país terem atenção a alguns pontos para evitar perda de prazo e garantir a regularidade da atuação profissional. Cito, como exemplo, as necessidades de acompanhar as publicações no DJEN diariamente e de usar sistemas auxiliares de controle, como o serviço Recorte da OAB Paraná, que envia alertas automáticos sobre intimações. Além disso, é importante rever rotinas internas de contagem de prazo, observando as três datas fundamentais: disponibilização, publicação e início do prazo. É essencial ainda manter o diálogo constante com colegas, instituições e entidades de classe para atualização contínua.

Transição: o caso do Paraná
É fundamental que a transição para a aplicação da nova regra se faça de modo adequado. Nesse sentido, surge como positivo o exemplo do Paraná, onde a seccional da OAB obteve para a advocacia do estado uma transição segura e compatível com as práticas já consolidadas no sistema Projudi, evitando mudanças abruptas na rotina forense. Ou seja: diante da iminência de mudanças que poderiam comprometer a segurança jurídica e aumentar o risco de perda de prazos, a OAB do Paraná adotou uma estratégia firme e eficaz: a interlocução direta com o TJPR, resultando na expedição de decisão administrativa em 13/05/2025, que ajusta a operacionalização da nova regra ao sistema Projudi, sem modificar a prática já consolidada. Ficou assegurada, assim, a manutenção da contagem de prazos com base na lógica anterior: 10 dias corridos a partir da intimação, com início da contagem no 11º dia útil, garantindo previsibilidade e segurança à advocacia paranaense.

O sistema Projudi, utilizado pelo TJPR, provou-se um instrumento confiável e eficiente para o controle de prazos, com a integração automática dos feriados locais no cálculo dos prazos; notificações diretas e seguras no ambiente do advogado; e capacidade de adaptação à nova resolução sem ruptura da lógica já assimilada pela advocacia.

A adequação proposta em conjunto pela OAB/PR e TJPR é tecnicamente inteligente e juridicamente segura, reconhecendo o protagonismo da advocacia e a autonomia dos tribunais locais, dentro dos limites estabelecidos pelo CNJ.

Tudo somado, a Resolução 455/2022 representa um desafio real à advocacia, sobretudo diante da diversidade de sistemas em funcionamento no país. Exemplos como o da OAB do Paraná mostram, no entanto, que é possível mitigar riscos com diálogo, técnica e compromisso institucional. Agora, cabe à advocacia se organizar e pressionar por soluções similares em seus respectivos tribunais. Enquanto isso, informação, atenção e cooperação serão os pilares da advocacia para garantir a preservação do direito ao contraditório e à ampla defesa.

 

Publicado: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/as-mudancas-e-os-riscos-para-a-advocacia-da-centralizacao-das-intimacoes-entenda/

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A promulgação da Lei nº 15.109, em 13 de março de 2025, foi recebida com entusiasmo pela advocacia brasileira. Fruto de antiga demanda institucional da classe, a norma introduziu o § 3º ao artigo 82 do Código de Processo Civil, estabelecendo que, nas ações de cobrança, execução ou cumprimento de sentença de honorários advocatícios, o advogado está dispensado do adiantamento das custas processuais, cabendo ao réu ou executado suportá-las ao final do processo, se for o responsável por sua instauração.

A conquista, longe de representar um privilégio, reflete uma adaptação do sistema processual à realidade da advocacia. Em incontáveis situações, profissionais que já prestaram seus serviços — e não foram pagos — se veem obrigados a arcar com despesas judiciais apenas para exercer seu direito de cobrar por aquilo que lhes é devido.

Com cerca de 25 anos de experiência na advocacia, posso afirmar — por vivência própria e por relatos de inúmeros colegas — que poucos obstáculos são tão frustrantes quanto ser forçado a antecipar custas para cobrar valores que nos são devidos e que muitas vezes representam a única fonte de sustento. A realidade da advocacia é dura, e não raro somos compelidos a renunciar à cobrança por simplesmente não termos recursos para acionar o Judiciário.

A nova redação do CPC busca corrigir essa distorção, assegurando que o custo inicial da demanda recaia, ao final, sobre quem deu causa ao processo. Importante ressaltar: não se trata de isenção de tributo, mas de diferimento — o pagamento é apenas postergado, sem qualquer exoneração da obrigação de recolher valores devidos.

Apesar da clareza da norma e da relevância da política pública que ela implementa, algumas decisões de primeira instância têm deixado de aplicar o dispositivo, sob alegações de suposta inconstitucionalidade. Três fundamentos têm sido comumente invocados: (i) violação ao princípio da isonomia tributária; (ii) ofensa à reserva de iniciativa legislativa do Poder Judiciário; e (iii) inaplicabilidade da nova regra a processos em curso.

Todas essas objeções, com o devido respeito, partem de premissas que não resistem à análise jurídica detida.

Sobre a alegada violação à isonomia tributária, é necessário reforçar que a norma não cria isenção fiscal. Apenas estabelece que o advogado não precisa antecipar o recolhimento das custas processuais. O pagamento continua devido, mas será exigido ao final, e apenas daquele que deu causa à demanda. Diferimento não é isenção.

Quanto à suposta usurpação da iniciativa legislativa do Judiciário, importa esclarecer que a Lei nº 15.109/2025 não trata de organização ou funcionamento interno dos tribunais, tampouco interfere em sua estrutura administrativa ou regime de pessoal. A norma versa sobre regra de custeio processual no âmbito do Código de Processo Civil, matéria de natureza eminentemente processual, cuja iniciativa legislativa é, por regra, concorrente — e, nesse caso específico, perfeitamente compatível com a competência do Congresso Nacional. Não há inovação quanto à titularidade da receita, nem ingerência sobre valores ou forma de arrecadação — apenas uma nova lógica de momento processual para o recolhimento.

Sobre a aplicação da lei aos processos em andamento, prevalece o princípio do efeito imediato das normas processuais (arts. 14 e 1.046 do CPC). A nova lei se aplica aos processos em curso, respeitados os atos processuais já praticados. Além disso, o art. 99, § 2º, do CPC admite a revisão do regime de pagamento de custas a qualquer tempo, diante de nova situação fática ou jurídica — como a vigência de uma lei que altera a regra geral.

A aplicação exclusiva da regra aos advogados encontra respaldo na natureza jurídica singular da atividade advocatícia, distinta de outras profissões liberais. Diferentemente de médicos, engenheiros ou contadores, os advogados exercem função essencial à administração da Justiça, com previsão constitucional expressa (art. 133 da CF), sendo os únicos profissionais com capacidade postulatória para representar interesses de terceiros em juízo. Além disso, a cobrança de honorários advocatícios frequentemente decorre da atuação em processos judiciais já encerrados, sendo necessária nova demanda apenas para que o profissional receba verba que já lhe foi reconhecida — muitas vezes por sentença ou por contrato inadimplido. Assim, o diferimento das custas processuais busca garantir o acesso ao Judiciário em ações cuja natureza é de execução de verba alimentar, não se tratando de relação contratual comum, mas de um desdobramento da própria prestação jurisdicional previamente exercida pelo advogado. É essa especificidade institucional que legitima o tratamento normativo diferenciado.

Apesar destas decisões questionáveis do primeiro grau de jurisdição, felizmente, o Tribunal de Justiça do Paraná tem cumprido seu papel com firmeza e equilíbrio, reformando e garantindo a efetiva aplicação da lei, em respeito à sua natureza processual e à sua constitucionalidade.

Ainda assim, esse tipo de distorção poderia ser evitado por meio de uma conscientização mais profunda e contínua dos operadores do direito, com foco na compreensão das peculiaridades da atividade advocatícia e no impacto prático de determinadas decisões sobre o cotidiano da profissão. O aperfeiçoamento da prestação jurisdicional passa também pelo diálogo institucional e pela capacitação constante dos agentes que integram o sistema de Justiça.

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Em um país marcado por números alarmantes de violência contra a mulher, a Lei nº 11.340/2006 — a Lei Maria da Penha — representa muito mais do que um diploma legal: ela é símbolo de resistência, um divisor de águas entre a negligência histórica e o compromisso institucional com os direitos humanos.

Criada a partir de um caso concreto de brutalidade e omissão estatal, a lei nasceu do clamor por justiça da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de duas tentativas de feminicídio praticadas pelo próprio marido. Seu caso, levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, expôs ao mundo a inércia do Estado brasileiro diante da violência doméstica. A resposta veio com a promulgação de uma das leis mais emblemáticas do sistema jurídico nacional.

A Lei Maria da Penha consagra uma nova forma de enxergar a violência de gênero. Ela rompe com a visão restrita da violência física e reconhece, também, os danos psicológicos, patrimoniais, morais e sexuais sofridos por mulheres em ambientes domésticos ou em relações íntimas de afeto. A proteção se estende a mães, filhas, avós, noras, enteadas, sogras, empregadas domésticas, e até mesmo a relações que não exigem coabitação — como é o caso de namorados ou ex-companheiros.

E mais: a aplicação da lei não se limita a agressores do sexo masculino. A jurisprudência já reconheceu sua aplicabilidade em casos em que a violência foi praticada por outra mulher, desde que configurada situação de vulnerabilidade da vítima. A centralidade da proteção reside no gênero e na desigualdade estrutural que o permeia.

Dentre seus avanços mais notáveis, a lei institui as medidas protetivas de urgência, que podem ser determinadas pelo juiz, delegado ou mesmo por um policial, a depender da realidade local e da gravidade do caso. Tais medidas incluem o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato com a vítima, a suspensão do porte de armas, entre outras providências indispensáveis à integridade física e psíquica da mulher.

E aqui surge o ponto crucial: qual é o papel da advocacia diante desse cenário?

A atuação do(a) advogado(a) não pode ser meramente protocolar. É preciso compreender que defender mulheres em situação de violência é, acima de tudo, um ato de responsabilidade social. O profissional do Direito deve estar preparado para orientar, acolher, peticionar com urgência, acompanhar medidas cautelares e promover uma atuação sensível, ética e humanizada.

Em tempos de desinformação e banalização da violência, cabe à advocacia atuar como instrumento de conscientização, denúncia e transformação. Somos, muitas vezes, a primeira voz a ser ouvida por quem teve a sua calada por medo, vergonha ou insegurança.

A Lei Maria da Penha não é apenas um marco legal: é um marco civilizatório. E a sua efetividade depende, em grande medida, da nossa atuação comprometida, técnica e empática.

Não basta conhecer a lei. É preciso fazer com que ela funcione — com coragem, escuta e ação.

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Vivemos um tempo de intensa transformação no Poder Judiciário brasileiro. Com o avanço da tecnologia, especialmente após os desafios impostos pela pandemia, consolidou-se a necessidade de um Judiciário mais eficiente, acessível e transparente. É nesse cenário que nasce o Programa Justiça 4.0, uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), voltada à modernização digital do sistema de Justiça no Brasil.

O Justiça 4.0 não se limita a informatizar processos. Ele propõe uma verdadeira reestruturação da forma como se faz justiça, integrando inteligência artificial, big data, plataformas digitais interoperáveis, atendimento remoto e automação de rotinas. Trata-se de um modelo que valoriza a inovação, a eficiência e a acessibilidade, e que visa não apenas acelerar decisões, mas também garantir que sejam mais seguras, consistentes e centradas no cidadão.

Entre os marcos do programa estão o Domicílio Judicial Eletrônico, o Juízo 100% Digital, os Núcleos de Justiça 4.0, o Banco Nacional de Precedentes, o uso de IA para triagem e classificação de processos, e o portal Jus.br — que centraliza serviços digitais de mais de 90 tribunais em um único ambiente. Trata-se de um ecossistema que redefine o funcionamento da Justiça brasileira.

Mas, diante dessa revolução silenciosa, como fica a advocacia?

A primeira constatação é inevitável: o papel da advocacia também está em transformação. As habilidades técnicas tradicionais — domínio do direito material e processual, capacidade argumentativa e oratória — permanecem essenciais. Mas a advocacia do presente (e do futuro próximo) exige também fluência digital, capacidade de interpretar dados e decisões automatizadas, além de familiaridade com plataformas e sistemas que, até pouco tempo, eram restritos a áreas internas dos tribunais.

Não basta conhecer a lei; é preciso saber como ela será lida por um sistema algorítmico.

É nesse ponto que surge a responsabilidade institucional da advocacia: acompanhar, participar e influenciar esse processo. Os advogados devem ocupar espaços nos debates sobre o uso ético da inteligência artificial, sobre a transparência dos códigos que classificam petições, sobre a preservação das garantias fundamentais em ambientes automatizados. Devem, igualmente, cobrar a interoperabilidade entre sistemas, a equidade no acesso digital e o fortalecimento da atuação advocatícia mesmo nos núcleos 100% digitais.

O futuro da justiça será cada vez mais tecnológico. E a advocacia não pode ser mera espectadora dessa transformação. Ela deve ser protagonista, zelando para que a inovação venha acompanhada de garantias processuais, respeito ao contraditório e efetividade no acesso aos direitos.

O desafio está lançado: mais do que acompanhar a transformação, é tempo de conduzi-la.

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No imaginário jurídico ocidental, Têmis representa a personificação da justiça. De olhos vendados, empunhando a balança e as tábuas da lei, ela traduz o ideal de imparcialidade, ordem e equidade. Mas, talvez mais do que símbolo da neutralidade, Têmis também é deusa da sabedoria e da verdade — verdades humanas, sociais, contextuais. É essa leitura que permite um cruzamento fundamental com o debate contemporâneo sobre julgamento com perspectiva racial e a necessária atuação antirracista da advocacia.

No Brasil, país de profundas desigualdades estruturais e históricas, o sistema de justiça não escapa ao racismo institucional. Dados do CNJ mostram que, embora mais de 50% da população seja negra, apenas cerca de 12% dos magistrados e magistradas se identificam como pretos ou pardos. A seletividade penal, a invisibilidade da dor negra nos litígios cíveis e familiares, e os obstáculos no acesso à justiça escancaram o que já não pode ser negado: a Justiça de olhos vendados não enxerga as desigualdades que mais doem.

É nesse cenário que emerge, com potência transformadora, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, instituído pelo CNJ. Inspirado por compromissos internacionais e pelas exigências de um Estado Democrático de Direito genuinamente inclusivo, o Protocolo convida magistrados a lançarem novo olhar sobre os autos: um olhar que reconheça a trajetória racial dos sujeitos, as marcas do preconceito, e os impactos das exclusões históricas no presente das pessoas negras.

Essa Justiça não abandona os princípios, mas os reinterpreta à luz da realidade. É o que faz a nova iconografia de Têmis, representada sem vendas, com os olhos bem abertos para as desigualdades. Ela já não julga ignorando o contexto social, mas assumindo-o como parte inseparável do Direito. Trata-se de uma Justiça que compreende que, muitas vezes, tratar igualmente os desiguais é perpetuar a injustiça.

Nesse novo paradigma, a advocacia tem papel central. Defender uma causa, hoje, é também reivindicar um lugar de fala e de escuta. O advogado ou advogada antirracista precisa dominar os fundamentos jurídicos, sim — mas também ser porta-voz da equidade, da denúncia do viés racial, da resistência à normalização da seletividade e da construção de narrativas jurídicas que evidenciem as múltiplas dimensões do racismo.

Como no mito, Têmis sentava-se ao lado de Zeus para aconselhá-lo, pois sua sabedoria antecedia até mesmo a vontade dos deuses. Assim também deve ser o papel da advocacia: aconselhar, provocar, incomodar e iluminar os julgamentos com a luz da verdade racial e da justiça social. Têmis, afinal, é filha de Urano e Gaia — do espírito e da matéria. Da teoria e da prática. Do ideal e da vida concreta. E é nesse entrelaçamento que se constrói um Direito mais justo, mais humano e mais plural.

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No ano de 2032, os corredores dos tribunais ecoam um silêncio incômodo diante da ausência das mulheres na advocacia. A Lei Júlia Matos, outrora celebrada como símbolo de avanço, foi relegada ao esquecimento, tratada como resquício de uma era ultrapassada. As advogadas, em especial aquelas que se tornaram mães, foram obrigadas a escolher entre exercer a profissão ou viver plenamente a maternidade. O sistema, em nome da eficiência, passou a enxergar a mulher gestante como entrave. O que se via nas normas era igualdade formal; o que se sentia na prática era exclusão institucionalizada. A profissão essencial à Justiça se tornou incompatível com a realidade de quem gera e cuida da vida.

Mas também em 2032, sob outro olhar possível, a advocacia floresce. A mesma Lei Júlia Matos foi reformada, expandida e elevada ao patamar de norma constitucional de proteção à equidade profissional. A cultura institucional se transformou: audiências híbridas, suspensão do processo por até 180 dias após o parto, creches integradas aos fóruns e paridade efetiva nos espaços de poder.

As mulheres não apenas permanecem na advocacia — lideram-na. O Conselho Federal da OAB é presidido por uma mulher. Escritórios adotaram políticas de igualdade salarial e de inclusão de mães em seus quadros societários. Casos de assédio ou discriminação tornaram-se raros e imediatamente punidos, não mais tolerados. Advogadas negras, trans, indígenas, mães solo, todas ocupando os espaços antes monopolizados por um padrão único de poder.

Entre esses dois cenários possíveis, é urgente reconhecer que o futuro ainda está em disputa. Os avanços concretos das últimas décadas — como a paridade nas eleições da OAB, as campanhas pela efetividade da Lei Júlia Matos, os protocolos de acolhimento nos tribunais — precisam ser consolidados, defendidos e multiplicados. Cada prerrogativa não é uma conquista isolada: é um tijolo na construção de uma advocacia mais justa, mais humana, mais democrática.

Se o direito é instrumento de transformação social, é preciso garantir que ele também transforme a si mesmo — reconhecendo a maternidade, a pluralidade e a dignidade das mulheres como elementos indissociáveis da prática jurídica. Não se trata de escolher entre a distopia ou a utopia. Trata-se de assumir, com coragem, a responsabilidade de construir o presente que evite a primeira e torne possível a segunda.

As mulheres já estão prontas. A advocacia precisa estar também.